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LEITURAS

OS LIVROS Postei um dia desses em minha página no Facebook essa foto de duas prateleiras em uma coluna de minha estante de livros de onde retirarei os livros que vir a ler em 2014. Muita gente comentou e acabei prometendo escrever um texto sobre minhas leituras (olhei agora, não foi um dia qualquer, foi no dia 25/12/2013). Antes, quero esclarecer que a decisão de ler aqueles livros lá, e não outros, surgiu a partir de uma lista que andou rolando pela rede de 100 livros essenciais, feita pelo professor José Monir Nasser, que fui acrescentando e cortando, conforme o que EU gostaria de ler. É bom assinalar isso, pois eu sempre fico sem saber o que dizer quando alguém me pede sugestão de livros. Sem falsa modéstia, eu nunca sei o que dizer mesmo, pois, ninguém lê o mesmo livro. Cada um tem as próprias necessidades livrescas e deve ler os SEUS livros, não os meus. Claro que os saberes são interligados, que pessoas medianamente cultas têm dezenas de leituras em comum. Sobre aqueles livros da minha estante, quero dizer que, uma vez que meu pai não ganhou na Mega Sena da virada, talvez eu não tenha tempo de ler tudo. Ainda assim, há dois livros que eu gostaria muito que saíssem na foto, pois pretendo lê-los neste ano. O primeiro é “O Livro da Vida” de Santa Teresa de Ávila, que não saiu porque está emprestado e o outro é “Noel Rosa – Uma Biografia” de João Máximo e Carlos Didier que já li, talvez, um quinto dele e não está na foto por não caber mesmo, pois tem o formato de uma revista e ultrapassa a altura da prateleira. Alguém comentou que faltava literatura brasileira ali. De fato, ali falta, mas não faltará dentre minhas leituras. O fato é que, talvez por coincidência, lerei uns dois ou três livros de contos de Machado de Assis, Casa Grande & Senzala e mais Os Sertões não em papel, mas no iPad. Seria interessante, e justo, colocar o iPad naquela foto. Só mais uma coisinha, depois que postei a foto da estante, vi vários outros amigos postando suas leituras para 2014, espero, inclusive e principalmente no meu caso, que não seja só mera resolução de ano novo e que todos realmente leiamos bastante neste ano. E não só com os livros que pretendem ler, mas muitos com fotos dos livros que têm. Acho mais bonito do que o funk ostentação essa ostentação dos livros pelos mesmos motivos que achava o poeta Castro Alves, “o livro, caindo n’alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. Agora, veio essa tempestade de lista de 10 livros mais importantes na vida de cada um, o que me fez ter uma inveja danada do quanto o povo já leu mais livros importantes do que eu. Eu também fiz a minha e todos ali, o que li há mais tempo tem mais de 10 anos que li, pois não imagino que um livro possa ser realmente marcante na sua vida sem que se passe algum tempo e você tenha o distanciamento para uma melhor analise do peso da obra. E tem os Evangelhos que leio ainda hoje todos os dias (religiosamente, se me permitem o chiste). Bem, contextualizada a coisa, vamos ao que eu quero dizer sobre o assunto.
A primeira coisa que tenho em relação aos livros é muita frustração. Um livro médio, com o tempo que resolvi dedicar à leitura – 2 horas por dia – leva 10 dias para ser lido. Em 1 mês, eu terei lido 3 livros e visto 30 filmes. A desproporção entre o consumo de qualquer outra arte e a literatura é muito grande. Além disso, a boa literatura – que é a única com a qual eu perco meu tempo – requer concentração e foco, coisas que exige muito de mim, matérias que obtenho com muita dificuldade. Como eu penso mil coisas ao mesmo tempo, a hora da leitura para mim é uma hora penosa, por isso eu já disse aqui que não gosto de ler. Ao mesmo tempo, sou dependente da leitura. Sem ler, eu não existo, sou um animal irracional. É a leitura que me torna gente. A hora da leitura é aquela hora em que eu ajudo Deus a construir um ser que minimamente valha a pena. E é por causa da leitura que eu, também, escrevo. E escrevo dolorosamente. Escrevo meio protestando contra o fato de ter o que escrever e não é à toa que me tornei autor de aforismos e chistes, contos curtíssimos e descobridor de palíndromos, poeta de haicais, sonetos e letras de canções. É tudo tão curto porque morro de pena de quem me lê. Mais do que isso, tenho pena do transportador que vai piorar sua hérnia lombar ao carregar os caminhões com livros que ajudei a escrever, não posso me esquecer de rezar pelas pessoas que darão um problema na coluna graças ao peso dos livros que pegou ao fazer sua mudança. Ah, que não tenha nenhum meu lá, meu Deus. Adoro ir às grandes livrarias, feiras de livros e a ruas com dezenas de sebos só para contemplar milhões de livros ao meu redor e chegar à óbvia conclusão de que o mundo não precisa de mais livros. Chega! Todos os livros escritos já são suficientes. Então, isso me inspira a escrever mais e toda a minha frustração com o excesso de títulos no mundo não adiantou muito. A verdade é que eu não deveria escrever, o mundo não precisa de escritores, mas sinto que esta é a melhor coisa que sei fazer e todo mundo deveria ser obrigado a fazer a melhor coisa que sabe fazer, pois foi para isto que cada um foi feito. Para você que chegou até aqui neste texto imenso, vou compensá-lo confessando o que fiz para vencer a dispersão, que é a grande inimiga da leitura, da minha, pelo menos. Se não lhe for útil, espero que seja divertido.
Você pode dedicar 1 hora por dia para a leitura, isso já seria ótimo, pois daria umas 500 páginas por mês. Porém, se for muito dispersivo, após 1 hora de leitura pode ter lido só 3 ou 5 páginas, quando deveria mesmo ter lido pelo menos 18. Comigo era assim, e eu lia, lia, lia e não rendia. Já começava a ficar com vergonha dos autores. Eu pensava, puxa, se eu morrer hoje e me encontrar com Goethe no céu, vou mudar de calçada e esconder o rosto. Precisava encontrar um meio de resolver isso e então, Deus me ajudou e tive um clique durante uma feira de livros que fui e que me fez criar um método que turbinou minha leitura em qualidade e quantidade. Fui à feira unicamente ver a entrevista que minha amiga, a maravilhosa poeta Carla Andrade daria ao lançar seu segundo livro, Artesanato de Perguntas. Andando pela feira ouvi um escritor dizendo a um repórter, se justificando por que tinha largado a ficção: “hoje em dia ninguém mais tem tempo de levar 15 dias lendo um livro de 400 páginas…”. Eu pensei “opa, então essa é a média que uma pessoa normal lê, 400 páginas em 15 dias”. E a partir dali, comecei a fazer regras de três na minha cabeça, nem conversei direito com a Carla como gostaria. E alguns minutos depois, eu já tinha uma equação que me dava algo como a “hora-página” de um livro. Explico: todo livro é diferente em quantidade de caracteres por página. Inclusive, uns têm até 3 páginas separando um capítulo de outro. Outros são mais compactos às vezes porque a história é grande demais, às vezes para economizar papel mesmo. Assim, vi que a hora-página de cada livro é diferente. Decidi que leria 2 horas por dia. Considerei uma dispersão natural, pois ninguém lê como um robô. E as duas horas viraram 1h45. Como encontrar a hora-página? É assim: pego o livro que lerei e abro em uma página que esteja escrita de cima a baixo, isto é, a página onde certamente vou me demorar por mais tempo. Leio aquela página normalmente e cronometro os segundos que levei naquela leitura. O resto é matemática. Digamos que fiquei dois minutos e meio lendo a página. Divido 6.300 (quantidade de segundos que têm 1h45) por 150 (quantidade de segundos que tem 2 minutos e 30 segundos). O resultado dá 42. Isto é, daquele livro terei que ler 42 páginas por dia para poder dizer que li duas horas diárias. Achei essa coisa toda coisa de doido, mas foi assim que consegui derrotar a lesma que eu era lendo literatura séria. É um método ainda em aprimoramento, às vezes penso que poderia ler 4 páginas do livro aleatoriamente e achar uma média, está rendendo tão bem, que já passei de 6.300 para 7.000. O fato é que, lendo apenas aquilo que me interessa de verdade, coisa que recomendo a todos, e tendo uma disciplina razoável, hoje, sento-me um lugar muito confortável e coloco celular e iPad a 5 metros de distância para que a dispersão não vença a meta e leio. O livro que leio, por exemplo esse aí de 42 páginas por dia, começou, de fato na página 7, pois um livro nunca começa na página 1. Então, eu mantenho 2 marcadores, o primeiro para a página que estou lendo e o segundo para a página até onde devo ler naquele dia. Quando encontro uma pagina em branco, por passagem de capítulo ou por ter uma figura que ocupe a página inteira, eu coloco o segundo marcador uma página adiante a que ele estiver. Claro que todo livro deve ser lido conforme sua abordagem, tema e necessidade (quem ainda não leu, seria bom que lesse o livro de Mortimer Adler, Como Ler Livros), assim, dividi os livros em história/ficção e filosofia. Aos livros de filosofia, usarei como divisor 3.150 (no lugar dos 6.300 dos livros “mais fáceis”), assim terei mais tempo para os exercícios imaginativos de dramatização que esses livros obrigam o leitor a fazer, pois é assim que se deve ler filosofia, a teoria do filósofo tem que fazer sentido no mundo real e nessa, a imaginação deve fazer esse trabalho. Não basta ler um filósofo, há que dar uma surra de realidade na sua teoria para ver se ela passa, por isto, gastamos mais tempo lendo filosofia do que lendo história. Com isso, dedicando pouco mais de duas horas por dia para a leitura, na segunda-feira, 03/02 comecei a ler meu sétimo livro do ano. Assim, já posso até me dar ao luxo de fazer algumas extravagâncias com leitor. O livro que comecei na segunda-feira foi o No Caminho de Swann do Proust, que faz parte de uma obra grande chamada Em Busca do Tempo Perdido que são 7 livros. As pessoas têm medo dessa obra e raramente a enfrentam do começo ao fim. Acho que é falta de disciplina, pois o livro não é difícil, na verdade, é a coisa mais bem escrita que já vi na vida. De encher os olhos mesmo. Pois bem, resolvi ler cada um dos volumes do começo dos meses pares. Já estou até repensando e talvez leia cada um dos volumes a cada 3 ou 4 outros livros que ler. É que é bom demais, só vendo. Outra extravagância, é que vou ler também a cada dois meses um livro que esteja dentre os mais vendidos, coisa que eu jamais pretendi na vida. Fujo da moda. Pois, pensava, como vou ler um best-seller antes de ler Tolstoi? É errado. Mas, agora, eu posso.
Mesmo que você não goste muito, leia assim mesmo. Ler é como ir à academia. Mesmo que não goste, é bom para saúde e você acaba se acostumando. Além disso, lendo, você acaba conhecendo pessoas lindas por dentro, com a alma bem definida. É claro que alguns ficam marombados demais e acabam ficando chatos, como os rapazes que de tão bombados ficam com traços de nanismo, mas geralmente os que frequentam a academia de Platão é gente agradável e bem humorada.
Todo autor tem uma música em sua escrita. É o seu estilo. Eu costumo ficar com aquela “música” tocando no meu ouvido enquanto leio um livro. Por isto, para mim, é difícil ler livro ruim, pois não suporto música ruim (o que é música ruim? É aquela que EU acho ruim, logo cada um tem a sua, não é algo objetivo não). Proust tem uma música linda no nível do melhor barroco já feito. Proust é Bach. E vou ficar com essa sua música no ouvido por algum tempo, sem saber como fazer para não imitá-lo. Eu não posso conviver com um gago que logo fico gago também. Espero que Proust me contamine. Quando estava lendo o livro Violeiros de Leonardo Mota, já estava pensando em decassílabo. Mas, já escrevi demais. Era isso!

TUDO O QUE SE QUER É CULTIVAR ERVA DANINHA

ervasdaninhas

É mais fácil se habituar às coisas erradas. Assim como não é preciso trabalho para cultivar erva daninha, é preciso muito esforço para cultivar arroz, milho e batatas. É preciso esforço para criar gado, porco e galinha. Nenhum para criar baratas e formigas. Não obstante, no caso do alimento que sustentará o nosso corpo, fazemos o esforço de plantar, cultivar e colher ou pagamos por ele. No caso dos hábitos, que sustentarão nossa alma e nos farão ser pessoas admiráveis perante Deus, geralmente, optamos pelo menor esforço. E chamamos de opressor e moralista aquele que diz: “faça o que é certo, mesmo que seja difícil”.

Uma coisa interessante é que as pessoas que reclamam das ações do moralista também é moralista com seus próprios filhos. Ninguém fala para a filha “não vou ser moralista com você, pode ser prostituta quando crescer, você decide”. Ninguém fala para o filho: “fume maconha o quanto quiser, longe de mim querer ser moralista com você”. Sempre que uma pessoa dessas “livres” (livre, geralmente é o que chamaam quem é escravo dos próprios apetites) percebe que o certo é certo e diz isso, em seguida, pede desculpa ou se justifica “e olha que eu não sou moralista”.

Assim como a erva daninha surge sem que ninguém a plante, nossos hábitos são naturalmente ruins. É preciso arrancar a erva daninha e plantar rosas. É preciso destruir os hábitos maus e plantar novos. E mais do que isso, ao menor descuido, a erva daninha invade o jardim. Os bons hábitos exigem eterna vigilância. Claro que há quem prefira a selva. Na selva, região onde a natureza floresce sem interferência humana, os bichos vivem apenas para atender seus apetites, participando da cadeia alimentar e cumprindo o ciclo da vida. É assim na selva. Porém, mesmo a selva exige um esforço e uma disciplina. É preciso também que se aprenda a viver na selva. Não adianta preferir a selva, não é possível fugir do esforço, pois a selva também cobra seu preço. O selvagem é um ser em constante medo. A moral é fruto da civilização. A selva é amoral. A moral serve para lembrar que não é preciso cultivar erva daninha e que isso também se aplica às ervas daninhas do espírito. Esforçar-se é acordar. Pensando bem, estamos todos dormindo. O fácil é aquilo que você faz sem atenção, sem pensar, meio como um zumbi. É o nada – o antideus – atuando. O caminho fácil é a porta larga, de que falava Cristo, e leva à perdição. Os anglofônicos falam “no pain, no gain” (que poderíamos traduzir “se esforça ou se lasca”). O certo é o difícil. Mesmo para manter a postura correta, aquela melhor para sua coluna e até para sua elegância, é preciso alguma dor (depois você acostuma). Um jogador de basquete americano dizia “quanto mais treino mais sorte tenho”. Não obstante, na contramão de tudo isso, vivemos em um mundo em que o “fazer o que se gosta” e o “dá mais prazer” comanda as ações das pessoas. Então, não pergunte por que vamos de mal a pior. Por que nossos alunos são os piores em todas as competições internacionais? Acho que essas crianças estão, como eu, ficando demais na internet, que é o supremo nada fazer, não se esforçar. Dá licença, vou ali ler o livro que comecei há quase um ano, que vergonha!

FEITIÇARIA E CIÊNCIA


A bruxaria sonha em se provar científica. Da mesma fora, o sonho de todo cientista é provar que são científicas as superstições que ele acredita. As poções medicinais da idade média (e de antes dela) eram compostas com o que se parecia muito com ingrediente de feitiçaria das histórias de bruxa que se lê hoje em dia. Coisas como chifre de unicórnio, lagartos fervidos e vermes lavados em vinho eram usados para curar pessoas e eram vistos por pessoas respeitáveis como alta ciência. (Não era bruxaria, era ciência. O que se chamava bruxaria naquele tempo era o que se chama de histeria hoje). Boa parte do que se chama feitiçaria hoje é, pois, tão somente as receitas a medicinais antigas, pois a ciência de ontem é a loucura e a superstição de hoje. A ciência de hoje parecerá o mesmo ao cientista do futuro.

BLOGUEIROS


Falam de Copérnico, Kepler, Galileu e seus livros revolucionários, mas é bom esclarecer que naquele tempo eram escritos centenas de livros “científicos” com teorias “revolucionárias” e todos eram, na opinião do autor, geniais. Eram os blogueiros da época. Toda época tem seus blogueiros. O tempo é que cuida de dizer quem tem alguma importância.

SEXO E EROTISMO

yael
Nem toda relação erótica é sexual. Nem toda relação sexual é erótica. Erotismo é a nomeação do objeto. Sexo é a função física. Eros é o nome do amor mais completo. Erótico é o amor que você sente por uma pessoa única. O amor ágape é o que você sente por amigos e parentes. O amor cáritas é o que você sente por toda a humanidade. Então, as várias formas do amor se forma como uma pirâmide, sendo que, no topo está o amor erótico. É bom assinalar que pela pessoa nomeada você sente também um amor ágape, afinal ela é sua amiga (e até uma espécie de parente, pois é, ou poderá vir a ser, a mãe de seus filhos, por exemplo) e também sente por ela o amor cáritas, afinal, ela faz parte da humanidade (supondo-se que você não tenha se apaixonado por uma jumenta). Assim é na teoria. Mas, como tudo o que colocamos a mão, tratamos de desvirtuar (o brasileiro, então…). Com aquela pessoa que você escolheu para ser única e amar com todos os amores possíveis, você também faz sexo que é uma forma de se unir mais intimamente. Sexo com prostituta é um exemplo de relação sexual não erótica. Hoje, existe a camisinha, sexo com camisinha não é sexo, é masturbação e as pessoas costumam usar camisinha quando fazem sexo com prostitutas. Mas no tempo em que as pessoas faziam sexo sem camisinha com prostitutas, aquilo lá era sexo, mas não era uma relação erótica, pois ele nem sabia o nome da prostituta e sentia por ela apenas o amor cáritas. Erótico é o amor total. O que acontece entre a prostituta e seu freguês é mera relação de negócio. Eis uma desvirtuação do amor erótico: o sexo sem eros, que se dá quando a relação sexual não é erótica. Há, porém, outro desvirtuamento muito sutil e que muitos não percebem, que é quando a relação erótica não é sexual.
Associamos tanto o erotismo ao sexo que se aceita perfeitamente as relações eróticas assexuadas. Erotismo, como já disse, é nomeação ou personalismo, isto é, quando você elege e dá um nome a alguém de modo permanente, isto é relação erótica. Todas as outras pessoas passam pela sua vida, apenas uma fica. Todas as pessoas, exceto uma, fazem parte de um conjunto. Por exemplo: uma grande amiga é alguém que faz parte do conjunto de seus amigos (conjunto que tem, digamos, 48 pessoas). Seu pai faz parte de outro conjunto, o conjunto de seus parentes (que tem, digamos, 15 pessoas, considerando até o 4º grau, tirando os cunhados, enfim, dá um jeito aí até sobrar 15). Em alguns momentos cada uma dessas pessoas pode ser única para você. Há o dia dos pais, em que seu pai será o centro de suas atenções. Há o aniversário de sua prima, em que ela será nomeada também. Há a depressão de uma amiga por perder um grande amor e recorrerá a você e nesse momento você a acode e ela ganha um nome, saindo do conjunto a que pertence e sendo única. Passadas tais ocorrências, essas pessoas voltam a fazer parte do conjunto a que faziam e a vida segue. Há, porém uma pessoa que todos os dias você louva o fato de existir, parabeniza por cada coisa e se interessa por cada problema. Uma pessoa que você trata como se estivesse permanentemente fazendo aniversário ou deprimida. Uma pessoa que fala para você tudo o que sente todos os dias. Que liga quando se lembra de uma questão qualquer. Que está sempre online no msn para você. Uma pessoa que você decidiu que fará parte de seu dia e que você sente falta quando ela some. Alguém para quem você faz papel de psicólogo. Há alguém assim na sua vida? Pois com essa pessoa, você tem uma relação erótica. Se essa pessoa é apenas um amigo, você está brincando com fogo. Se essa pessoa não for seu cônjuge ou namorado e você tiver um cônjuge ou namorado, saiba que você está com bigamia, mesmo que jamais faça sexo com esse outro alguém. Simples assim. Esse tipo de amor é antigo. Acham natural que homens amem homens e mulheres amem mulheres desde a Grécia antiga, onde os exemplos de amor erótico sem sexo são muitos.
Tem aquele filme “Eu te amo, cara”, que fala do amor (sem sexo) entre dois amigos (é muito engraçado o sujeito já adulto em busca de um melhor amigo, ligando para homens, marcando encontro, ficando nervoso antes de ligar, enfim, se comportando exatamente como se estivesse procurando uma namorada, namorada que ele já tem e que lamenta o fato de que ele não tenha um melhor amigo). Chamo esse amor de erótico, pois ele elege e nomeia. É muito comum a tal “melhor amiga” da mulher. Há, porém, mais raramente, amores eróticos sem sexo entre um homem e uma mulher. Nessa hora é bom entender a psicologia de ambos. Um homem que começa conversar diariamente (sem a menor intenção de um dia parar com aquilo) com uma mulher (seja ela comprometida ou não) está tentando uma relação sexual, sem exceção. Quando a mulher, sem a menor intenção de se envolver sexualmente com o cara (mulheres são maternais, especialmente aquelas que não são mães), deixa o papo rolar e se torna a confidente do rapaz, muito provavelmente, em breve se tornará objeto erótico dele. Em face da atenção e do cuidado com que é tratado, os problemas dele jamais se acabarão e essa relação terá se tornado erótica. Um jogo que a mulher faz, muitas vezes, com a maior inocência, acreditando que aquilo é só amizade. Não é. Os problemas dos amigos aparecem e somem. Pessoa com problema permanente carecendo de sua atenção diária é aquela pessoa que você elegeu, deu um nome. Não é seu amigo, é seu amor. Se não é, está ocorrendo um desvirtuamento da relação erótica: a relação erótica sem sexo. Quando você tira um pouco de todos os seus dias para viver a vida do outro, não sendo você um psicólogo, essa relação é erótica. É assim com os filhos, mas a dependência dos filhos é passageira (normalmente). Há pessoas, algumas casadas, que passam toda a vida sem uma única relação erótica. Erotismo é quando duas pessoas vivem compartilhando as duas vidas mutuamente.
Será que essa procura por (ou essa mitificação do) um melhor amigo(a) se dá em face da dificuldade que homens e mulheres têm em se entender? Assim os machistas gregos justificavam o amor entre homens na Grécia antiga: o amor é algo tão sublime que somente homens, “criaturas superiores”, podem apreciar devidamente. Hoje, que sabemos que as mulheres são seres muito mais sublimes que os homens, vivemos em um tempo em que um homem e uma mulher podem muito bem se amar sentindo-se completos (ou perto disso) sem a menor necessidade de um melhor amigo para o homem ou uma melhor amiga para a mulher.
Toda escolha é uma perda, diz a frase pessimista. A escolha é também um enorme progresso, uma prova de humildade perante o fato de que jamais teremos tudo (e nem seria saudável querer tudo). A escolha é uma vitória. Toda rosa tem espinhos ou não seria uma rosa. Os defeitos de quem nós amamos são chances para provar nosso amor e oportunidade para que a pessoa amada prove do nosso amor. Que virtude há em amar alguém perfeito? Não obstante, buscamos a perfeição e quando nos falta (o que chamamos de perfeição) a quem amamos, procuramos a tal coisa em outras pessoas. Daí surge a prostituição, a necessidade de ir a psicólogos (que nada mais são do que amigos de aluguel) e a figura do (a) melhor amigo(a), pois há coisas que não podemos dizer para quem amamos. Ora, por que não? Que raio de amor é esse? O fato é que as pessoas continuam se achando muito sublimes para repartir sua vida com uma só e encontram essas desculpas esfarrapadas para a bigamia, ainda que sem sexo.
O casamento feliz, talvez, seja aquele em que a relação erótica e a sexual seja com a mesma pessoa. Sendo, pois, o eros o mais profundo envolvimento da alma e o sexo o mais profundo envolvimento do corpo. E, novamente, talvez, pois esse é um assunto que apenas tateio, toda infelicidade conjugal advenha da ausência dessa co-incidência. A mulher costuma ter ciúmes do(s) grande(s) amigo(s) do marido, pois se sente apenas um objeto sexual, pois, de fato, ele divide sua vida entre a mulher e os amigos, com quem conversa coisas que não conversa com a mulher. Na verdade, a maioria dos homens não gosta de mulher. Gostam de mulher apenas para namorar (fazer sexo). A maioria dos homens gosta mesmo é de homem e mantém, assim, relações eróticas com vários deles durante a vida. Relação de eleição e nomeação sem qualquer contato genital. A relação é erótica não por causa do sexo, mas apesar da ausência dele. Mas já divaguei demais…

ps – A foto da capa do disco da Yael é por que o amor é um pássaro no dedo.

INÚTEIS


Só se pode mexer em coisas úteis. O ser humano, por exemplo, é inútil, então deve ser deixado quieto. O que faremos de útil no paraíso? Nada, suponho. A utilidade é coisa de corpos. Tudo o que tem alma foge da utilidade. O que clama por utilidade é o corpo. Quem quer ganhar dinheiro e fazer algo concreto pela humanidade é o corpo. A alma se importa com a beleza, as mil sutilezas do espírito e tudo o mais que for bem inútil para o corpo. O corpo trabalha para a alma. Quem dá 40 mil em um relógio compra tudo menos um relógio, pois aparelho que marca horas, no camelô, tem por 2 reais. São coisas que a alma obriga o corpo fazer. O corpo, por sua vez, só dá voz à alma depois que sua segurança está garantida. Não se vê quem ganha salário mínimo trabalhando duramente para quitar um relógio de 40 mil que comprou. Um pobretão que fizesse isso seria alguém que é pura alma.

O OUVIR DIZER

Mesmo com a superabundância de jornais e livros, para a maioria das pessoas, as informações, teorias científicas, doutrinas religiosas, teses filosóficas e piadas em geral chegam mesmo é por meio do boca-a-boca (do boato). A fofoca é o grande meio, a mídia por excelência. Quase tudo o que todo mundo sabe, ficou sabendo de ouvir dizer. Fofoca é epidemia de altíssima facilidade de disseminação. Em pouco tempo, todo mundo está doente da mesma informação, padecendo da mesma opinião, sofrendo das mesmas conclusões. Mas ler mesmo, ninguém leu. E quem leu, geralmente, tem variações do mesmo vírus, mesmo sendo, o dele, um vírus um pouco diferente daquele vírus do boato. Isto é, leu, mas não viveu, apenas acreditou sem aprofundar ou sem expor a tese à realidade. Gutenberg foi quem abriu essa caixa de pandora. Um simples cartaz pregado em um poste pode ter efeito mais letal que o HIV (quase escrevo “um simples cartaz pregado em um post”). O povo lê o cartaz no poste e sai por aí repetindo o que leu como se fosse algo que o próprio Deus falou, como se Deus fosse perder tempo pregando cartaz em poste.

MAIO


É maio. Em maio, sempre me dá uma vontade de mudar algo. É como se eu agüentasse tudo até abril. Maio não! Em maio, algo precisa ser feito. Mas ainda chove. “Que coisa, né? Ainda chove!” Maio me segura pelo colarinho e me obriga a prestar contas de alguma coisa. E aquilo tudo que planejei fazer neste ano, como anda? E o que já estou fazendo, tem futuro mesmo? Logo mudarei de idade. Número é importante. Quando alguém faz 39 anos, sente uma fisgada: o prenúncio dos 40. E fica um pouco triste por fazer 39. Bom mesmo era 38. Quando faz 40, tudo muda, passa a achar 39 um número muito simpático. A mudança de idade é uma das grandes ilusões. Uma ilusão das mais reais. É quando bate em cada um a fobia mais comum destes tempos: a cronofobia, que é o medo exacerbado e neurótico de envelhecer. Ah, sim, a mudança de idade é ilusão porque o tempo não para e a todo instante estamos envelhecendo e um dia depois do aniversário você está tão velho quanto estará no dia seguinte, mesmo que ainda falte 1 ano para mudar de novo de idade. Mas é maio, eu dizia. E acho que maio é assim pra todo mundo (mas sei que não é). Em maio começa certa impaciência com o resto do ano. Carnaval ficou pra trás, a páscoa já é quase esquecida, você não tem mais desculpas para enrolar, pois o tempo grita, bate panelas, dá rasteira, joga água, ri histericamente, critica suas roupas e sapatos, faz débitos em sua conta, ignora seu afã de “porquês”, aplica provas sem avisar, ignora seu corte de cabelo, quebra a quarta corda de seu violão, enche as ruas de carros andando lentamente, não deixa ler livros, provoca dores no pescoço, impede de ver filmes, dá más notícias, escova os dentes em sua frente, obriga a ouvir e falar de futebol, comer fibras e agüentar a religião laica dos esquerdistas, toca canções que você detesta em alto volume, vende um sapato que escorrega, atrapalha o quanto pode e aquilo para o qual você nasceu só floresce e dá frutos em meio a pedras e joios sob esforço heróico. O tempo incomoda com todos os instrumentos que dispõe e os instrumentos são inumeráveis e não se pode reclamar, afinal, a casa é dele, você está só de passagem. Urge que se faça algo para que junho chegue logo. No mês de maio eu entro um e saio outro. É sempre uma revolução. Maio é o mais longo dos meses. É uma espécie de outubro do primeiro semestre. É a quarta-feira dos meses. Segundo ato de ópera longa. 38 anos de um perdedor. 25º ano de uma ditadura. Terceiro ano do curso de Direito. 40º minuto de uma corrida de 1 hora de um sedentário. Folha 12 de monografia. Maio é uma gota no tempo. O tempo é um oceano vasto para que caiba todo o universo (e universos) e todos os espíritos a zanzar por presente, passado e futuro. E é este o maio da questão. Nosso espírito está tranqüilo passeando por julho e ainda é maio. Nosso espírito está todo excitado curtindo janeiro e já é maio. Nosso espírito não gosta muito de nosso corpo, pois vive a fugir dele e parte para se divertir em outros lugares. Nosso corpo sofre os dardos da realidade presente e chama o espírito de volta, pois o corpo só deve agir sob o comando do espírito (o corpo grita para o espírito: “o que é que eu faço?”). E o espírito sofre quando retorna ao corpo. Claro que o espírito deve andar por passados, futuros e por universos múltiplos, pois ele tem o poder de fazer isto e essas viagens fazem parte de sua luta contra a corrupção, embora muita corrupção também advenha de tais viagens. O fato é que o espírito passeia, passeia e passeia (pois ele não é deste mundo). E o corpo se queixa. O espírito tem o corpo para estar na realidade presente. É só nesse momento que ele precisa do corpo. Quando pode fugir da realidade, o espírito só precisa do corpo para poder voltar para ela quando quiser. Mas a realidade presente é enfado. A realidade presente apenas dá ao espírito a incerteza de que ele não existiria fora dela. Quando o espírito tem certeza de que é eterno, de que o corpo e a realidade lhe servem de transporte e que ele, espírito, é o verdadeiro passageiro, a coisa ganha outros contornos e os meses de maio ganham peso maior. (Para ficar maior, maio só precisa de um “R”). Maio fica mais pesado porque a existência também fica. Não é o tempo, é a realidade que pesa, pois a realidade existe para baixar nossa bola, para limitar nossos passos. Mesmo assim, o tempo é útil. O tempo organiza tudo. O tempo é a eternidade colocando ordem nas coisas. Mas o tempo, quer dizer, a realidade concreta e presente é apenas uma opção ao espírito, que vaga, vaga, vaga e só muito de vez em quando se lembra de visitar Brasília, coincidentemente quando a namorada me visita ou eu a ela, quando pego o violão para tocar uma canção, quando faço qualquer coisa que me faça esquecer o tempo. Seria o espírito inimigo do tempo? Lutamos contra tudo o que nos limita e nos delimita. Quando o espírito vem até Brasília e entra como um fantasma a tomar rédea de meu corpo, me dou conta de que é maio e que preciso fazer tudo aquilo que prometi fazer em janeiro e que meu espírito vagabundo ficou vagando por aí e não me deixou fazer. É maio. Maio me deixa assim. Em maio começa a soprar um vento novo. Literalmente vento e literalmente novo, pois não estou aqui só para metáforas. É o vento que anuncia o frio que teremos no ano. O vento que anima um nortista como eu que cresceu sob um sol de 43 graus em média. Um calor absurdo que detona qualquer pretensão intelectual, pois impede vigorosamente toda tentativa de leitura. O calor atrapalha. O vento anima. Ainda estou para entender, talvez morra e não entenda, porque o calor é tão bem visto pela maioria da humanidade. Calor se tem na África, na América Latina e no Oriente Médio. Só lugar miserável, brega ou barra pesada, o que prova incontestavelmente que o calor não desperta boa coisa. O norte e o nordeste brasileiro não são pobres por coincidência. São pobres de calor. Quero um lugar frio, pois o frio nos conduz ao aconchego e o aconchego nos faz mais carinhosos, pensativos e leitores. O calor é como a natureza, é bom na TV. Na vida real, o calor é mau. Como a natureza na vida real é difícil e perigosa. A natureza tem formiga de fogo, cobra coral, onça maracajá, porco queixada, coisas de que só quem vive no mato morre de medo. Quem está na cidade quer proteger, pois só os vê na TV. Pergunte a um caipira o que ele pensa quando vê uma onça e ele responderá: “só penso em acertar um tiro bem no meio da testa do bicho”. Todo o povo deveria procurar o frio e deixar o calor para as feras. Maio tem isso de bom: anuncia o frio. O tempo ficará como acho bom. Brasília tem enorme vantagem, aqui se tem sol brilhante e frio ao mesmo tempo, pois os prédios são baixos e o vento passeia pelas quadras e entra nas janelas. E o céu de Brasília, mesmo coberto de nuvens, é o mais bonito do mundo. Se Paris tivesse o céu de Brasília não seria Paris, seria o paraíso. Maio faz de Brasília uma Paris do cerrado, pois Paris é como Brasília, não tem montanhas. Infelizmente o céu de Paris raramente é azul. As nuvens gostam de Paris. E Paris em seu momento mais quente é como Brasília em maio, são aqueles 20 graus no começo da noite. Que não é frio, mas não é um calor que chegue a incomodar. Os ventos de maio me acariciam. Os ventos de maio me sopram cantigas, sou levado a escrever, a tocar violão, a sonhar mais, fico todo noel, todo capiba, todo guinga, todo Nazareth. Fico todo garoto e me aumenta em um por cento a auto-estima (podem achar pouco, mas 1% é a diferença que os darwinistas vêem entre homens e símios). Não quero falar mais em espírito vagando. Hoje pensei que o que chamo de meu espírito passeando é o que outros chamam de sonho. Distraídos em sonhos, planos, noticiários, o mundo que não para e exige nossa atenção não vemos o tempo passar até chegar maio e nos pedir sua atenção. E maio chega com sua brisa fria pedindo, pedindo, pedindo… Maio é nosso amigo. Amigos chamam atenção. Amigos corrigem.
Amigos nos inspiram enquanto nos trazem à realidade. Amigos são os maiores presentes que ganhamos de Deus. No meu caso, Deus me constrange com tanta generosidade. Meus amigos são a razão que tenho para não ter cronofobia, ao contrário, goste de envelhecer, pois isso significa que terei mais tempo com meus amigos, a maioria vivos, graças a Deus. A morte não me assusta, pois já tenho grandes amigos do outro lado e será maravilhoso revê-los. Vocês não imaginam como é perder um grande amigo. Um amigo tão grande desses insubstituíveis como todos os outros. É muito triste. Assustador. Terrível. É traumatizante a perda de um amigo. E de dois? Quando o segundo amigo se vai, outra pessoa enorme e fundamental em sua vida que morre assim quase de repente. Como é? É mais terrível? Mais triste? Mais assustador? Não. A segunda morte de um grande amigo é uma libertação, uma iluminação. Você pensa: “é, é assim mesmo!” e em seguida começa a ver a morte como ela é: uma recompensa por serviços prestados e passa a invejar enormemente seus amigos que morreram e ficar feliz, pois em breve, todos nós estaremos unidos sob a mesma recompensa, como diz aquele pré-socrático, para o qual a existência deve ser paga com a inexistência. A recompensa que tira o presente e dá a eternidade. Tira os limites e nos dá o ilimitado. Tira 5 e dá 95 sentidos novos. Tira a ânsia e concretiza toda a esperança. Esperança no que nem sabemos, pois nossa mente não consegue sonhar com o que nos espera. Não é permitido ao nosso espírito passear por lugares tais antes da morte, quando tudo nos será esclarecido e a guerra permanente que travamos cessará. Uma vez fiz um poema assim: “Se hoje eu morresse / Quantos poemas / Talvez se perdessem / Talvez dezenas / Talvez nem este!” Hoje vejo a morte como um progresso sem nenhuma perda. Além disso, o mundo não precisa de mais poemas. Temos que escrever o absolutamente mínimo. O máximo do unicamente fundamental e nem uma aspa a mais. Tudo o que se escreve é desnecessário, inclusive isto. Nada do que se diz tem importância, inclusive isto. Quem lê tanto, para que se escreva tanto? Mas quem disse que alguém escreve para que alguém leia? Eu, por exemplo, duvide-o-dó que alguém que começou este texto tenha chegado até aqui. Ninguém chegou até aqui e nada perdeu. Quem começar ler a partir daqui sugiro que não leia o começo. Nada perderá. Trata-se de um texto tipicamente secular, mesmo que o tema seja um mês e não o século, mesmo que o termo “secular” não tenha aqui relação alguma com o tempo e sim com o mundo. Secular = mundano. E neste texto secular tento me desvencilhar do tempo que me trouxe de volta da costumeira procrastinação. A procrastinação é um dos impulsos mais humanos porque não gostamos do tempo em que estamos, pois nascemos no tempo, mas não nascemos para o tempo. Ah, meu Deus, essa história não acaba nunca. Preciso fugir de maio, pois tenho que evitar que minha vida seja um eterno presente. A eternidade é mais que um presente. É maio. Maio me deixa assim.

LIMITES E FRONTEIRAS

Limites
Sem limites as coisas não existiriam. Destruir limites é destruir a coisa antes delimitada. Derrubem as fronteiras que os países deixam de existir. Truísmo? É sim, mas ignoram. Vivem querendo acabar com os limites como se isso fosse uma coisa bonita a se fazer. O 4º mandamento diz que devemos honrar pai e mãe. Isso aí consiste em um monte de limites que temos relativamente a nossos pais. O mandamento não diz que devemos honrar os calouros de nossa escola. Nesses, podemos jogar talco, ovos e cortar os cabelos deles com uma tesoura cega. Mas mesmo com relação a eles, há certos limites, mas não os mesmo que temos com relação a nossos pais. E são esses limites que nos faz filhos, pais, namorados, maridos, tudo o que somos. Passe a tratar seus pais como se fossem seus colegas de colégio (destrua os limites entre você e seus pais, aquela linha que faz com que eles sejam os pais e você o filho) e eles não serão mais seus pais. É assim que se mata um pai, como é derrubando fronteiras que se destrói um país. Quando uma criança não tem limites, todos são crianças na casa. Dito isso, a liberdade extrema (algo que só existe no céu platônico) é a autodissolução. Quem é absolutamente livre não é nada. E há coisas das quais é até desejável que sejamos escravos. Por exemplo, não sou livre pensador. Sou escravo da verdade. Pensando bem, toda liberdade também tem sua escravidão correspondente. O sujeito que enche a boca para dizer que é livre é escravo do próprio ego. Cristo morreu por todos para que ninguém viva para si. Aristóteles dizia que devemos ser senhores de nossas vontades e escravos de nossa consciência. Felizmente podemos escolher quem será nosso soberano e é só essa a liberdade possível.

EU TE AMO

“Eu te amo” são como digitais. Cada um tem o seu e você jamais saberá o que o outro quis dizer quando disse a frase. Muitos evitam dizê-la e evitam ouvi-la, como se ela estivesse em uma posição quase intocável na escala ontológica das frases. Outros dizem “eu te amo” a toda hora e circunstância. Ambos estão certos. Deveriam, porém, entender que o seu “eu te amo” não é mesma coisa do “eu te amo” do outro, pois, para alguns são apenas palavras, para outros é a própria divindade, para outros é um meio termo e seguem matizes em quantidade igual a dos pronunciadores. O fato é que o amor humano é mesmo defeituoso e é condicionado. Amamos o que precisamos? Amamos o que necessitamos? Nem sempre. Às vezes amamos a quem, apenas, queremos estar à disposição, mas não queremos, obrigatoriamente, por perto o tempo todo, justamente porque a amamos (fiz há um tempo uma frase assim: “eu te amo, mas, por favor, não tome isto como uma cantada”). Então, dizer “eu te amo” para essa pessoa é o mesmo que dizer “estou a sua disposição” com um pouco mais de ênfase. É dizer também “eu não me caso contigo justamente porque te amo, mas se precisar de mim para qualquer outra coisa, estou aqui”. Enfim, em grego, por exemplo, a palavra “amor” tem vários nomes, diferentemente do português, o que pode significar que sabemos muito pouco sobre o amor, pois o reduzimos quase sempre à mesma coisa. A polissemia sempre atrapalha o entendimento. Além disso, há a velha dificuldade de comunicação entre as pessoas. Para ajudar, sugiro que todo mundo escreva um pequeno texto (coisa pouca, uns dois mil toques só, algo como o tamanho deste post) com o título “O meu ‘eu te amo’”, faça um blog e publique lá para que as pessoas vejam e entendam o que você quer dizer quando diz “eu te amo”. Tenho idéia melhor, todos deveríamos fazer um dicionário (dinâmico, sempre atualizado e alterado, pois podemos mudar de opinião) de nós mesmo para que entendessem o que queremos dizer quando dizemos frases feitas. Seria um dicionário com verbetes como: “diz aí”, “puta que pariu”, “puta merda!”, “tudo bem?”, “eu te amo” (claro), “caraca!” “má-rapaz!”, pois mesmo dizendo a mesma coisa nem sempre estamos dizendo a mesma coisa. “Política”, por exemplo, é uma palavra que eu jamais vou entender a acepção que a maioria dá a ela, mas paro por aqui, já passaram os dois mil toques.