LEITURAS

OS LIVROS Postei um dia desses em minha página no Facebook essa foto de duas prateleiras em uma coluna de minha estante de livros de onde retirarei os livros que vir a ler em 2014. Muita gente comentou e acabei prometendo escrever um texto sobre minhas leituras (olhei agora, não foi um dia qualquer, foi no dia 25/12/2013). Antes, quero esclarecer que a decisão de ler aqueles livros lá, e não outros, surgiu a partir de uma lista que andou rolando pela rede de 100 livros essenciais, feita pelo professor José Monir Nasser, que fui acrescentando e cortando, conforme o que EU gostaria de ler. É bom assinalar isso, pois eu sempre fico sem saber o que dizer quando alguém me pede sugestão de livros. Sem falsa modéstia, eu nunca sei o que dizer mesmo, pois, ninguém lê o mesmo livro. Cada um tem as próprias necessidades livrescas e deve ler os SEUS livros, não os meus. Claro que os saberes são interligados, que pessoas medianamente cultas têm dezenas de leituras em comum. Sobre aqueles livros da minha estante, quero dizer que, uma vez que meu pai não ganhou na Mega Sena da virada, talvez eu não tenha tempo de ler tudo. Ainda assim, há dois livros que eu gostaria muito que saíssem na foto, pois pretendo lê-los neste ano. O primeiro é “O Livro da Vida” de Santa Teresa de Ávila, que não saiu porque está emprestado e o outro é “Noel Rosa – Uma Biografia” de João Máximo e Carlos Didier que já li, talvez, um quinto dele e não está na foto por não caber mesmo, pois tem o formato de uma revista e ultrapassa a altura da prateleira. Alguém comentou que faltava literatura brasileira ali. De fato, ali falta, mas não faltará dentre minhas leituras. O fato é que, talvez por coincidência, lerei uns dois ou três livros de contos de Machado de Assis, Casa Grande & Senzala e mais Os Sertões não em papel, mas no iPad. Seria interessante, e justo, colocar o iPad naquela foto. Só mais uma coisinha, depois que postei a foto da estante, vi vários outros amigos postando suas leituras para 2014, espero, inclusive e principalmente no meu caso, que não seja só mera resolução de ano novo e que todos realmente leiamos bastante neste ano. E não só com os livros que pretendem ler, mas muitos com fotos dos livros que têm. Acho mais bonito do que o funk ostentação essa ostentação dos livros pelos mesmos motivos que achava o poeta Castro Alves, “o livro, caindo n’alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. Agora, veio essa tempestade de lista de 10 livros mais importantes na vida de cada um, o que me fez ter uma inveja danada do quanto o povo já leu mais livros importantes do que eu. Eu também fiz a minha e todos ali, o que li há mais tempo tem mais de 10 anos que li, pois não imagino que um livro possa ser realmente marcante na sua vida sem que se passe algum tempo e você tenha o distanciamento para uma melhor analise do peso da obra. E tem os Evangelhos que leio ainda hoje todos os dias (religiosamente, se me permitem o chiste). Bem, contextualizada a coisa, vamos ao que eu quero dizer sobre o assunto.
A primeira coisa que tenho em relação aos livros é muita frustração. Um livro médio, com o tempo que resolvi dedicar à leitura – 2 horas por dia – leva 10 dias para ser lido. Em 1 mês, eu terei lido 3 livros e visto 30 filmes. A desproporção entre o consumo de qualquer outra arte e a literatura é muito grande. Além disso, a boa literatura – que é a única com a qual eu perco meu tempo – requer concentração e foco, coisas que exige muito de mim, matérias que obtenho com muita dificuldade. Como eu penso mil coisas ao mesmo tempo, a hora da leitura para mim é uma hora penosa, por isso eu já disse aqui que não gosto de ler. Ao mesmo tempo, sou dependente da leitura. Sem ler, eu não existo, sou um animal irracional. É a leitura que me torna gente. A hora da leitura é aquela hora em que eu ajudo Deus a construir um ser que minimamente valha a pena. E é por causa da leitura que eu, também, escrevo. E escrevo dolorosamente. Escrevo meio protestando contra o fato de ter o que escrever e não é à toa que me tornei autor de aforismos e chistes, contos curtíssimos e descobridor de palíndromos, poeta de haicais, sonetos e letras de canções. É tudo tão curto porque morro de pena de quem me lê. Mais do que isso, tenho pena do transportador que vai piorar sua hérnia lombar ao carregar os caminhões com livros que ajudei a escrever, não posso me esquecer de rezar pelas pessoas que darão um problema na coluna graças ao peso dos livros que pegou ao fazer sua mudança. Ah, que não tenha nenhum meu lá, meu Deus. Adoro ir às grandes livrarias, feiras de livros e a ruas com dezenas de sebos só para contemplar milhões de livros ao meu redor e chegar à óbvia conclusão de que o mundo não precisa de mais livros. Chega! Todos os livros escritos já são suficientes. Então, isso me inspira a escrever mais e toda a minha frustração com o excesso de títulos no mundo não adiantou muito. A verdade é que eu não deveria escrever, o mundo não precisa de escritores, mas sinto que esta é a melhor coisa que sei fazer e todo mundo deveria ser obrigado a fazer a melhor coisa que sabe fazer, pois foi para isto que cada um foi feito. Para você que chegou até aqui neste texto imenso, vou compensá-lo confessando o que fiz para vencer a dispersão, que é a grande inimiga da leitura, da minha, pelo menos. Se não lhe for útil, espero que seja divertido.
Você pode dedicar 1 hora por dia para a leitura, isso já seria ótimo, pois daria umas 500 páginas por mês. Porém, se for muito dispersivo, após 1 hora de leitura pode ter lido só 3 ou 5 páginas, quando deveria mesmo ter lido pelo menos 18. Comigo era assim, e eu lia, lia, lia e não rendia. Já começava a ficar com vergonha dos autores. Eu pensava, puxa, se eu morrer hoje e me encontrar com Goethe no céu, vou mudar de calçada e esconder o rosto. Precisava encontrar um meio de resolver isso e então, Deus me ajudou e tive um clique durante uma feira de livros que fui e que me fez criar um método que turbinou minha leitura em qualidade e quantidade. Fui à feira unicamente ver a entrevista que minha amiga, a maravilhosa poeta Carla Andrade daria ao lançar seu segundo livro, Artesanato de Perguntas. Andando pela feira ouvi um escritor dizendo a um repórter, se justificando por que tinha largado a ficção: “hoje em dia ninguém mais tem tempo de levar 15 dias lendo um livro de 400 páginas…”. Eu pensei “opa, então essa é a média que uma pessoa normal lê, 400 páginas em 15 dias”. E a partir dali, comecei a fazer regras de três na minha cabeça, nem conversei direito com a Carla como gostaria. E alguns minutos depois, eu já tinha uma equação que me dava algo como a “hora-página” de um livro. Explico: todo livro é diferente em quantidade de caracteres por página. Inclusive, uns têm até 3 páginas separando um capítulo de outro. Outros são mais compactos às vezes porque a história é grande demais, às vezes para economizar papel mesmo. Assim, vi que a hora-página de cada livro é diferente. Decidi que leria 2 horas por dia. Considerei uma dispersão natural, pois ninguém lê como um robô. E as duas horas viraram 1h45. Como encontrar a hora-página? É assim: pego o livro que lerei e abro em uma página que esteja escrita de cima a baixo, isto é, a página onde certamente vou me demorar por mais tempo. Leio aquela página normalmente e cronometro os segundos que levei naquela leitura. O resto é matemática. Digamos que fiquei dois minutos e meio lendo a página. Divido 6.300 (quantidade de segundos que têm 1h45) por 150 (quantidade de segundos que tem 2 minutos e 30 segundos). O resultado dá 42. Isto é, daquele livro terei que ler 42 páginas por dia para poder dizer que li duas horas diárias. Achei essa coisa toda coisa de doido, mas foi assim que consegui derrotar a lesma que eu era lendo literatura séria. É um método ainda em aprimoramento, às vezes penso que poderia ler 4 páginas do livro aleatoriamente e achar uma média, está rendendo tão bem, que já passei de 6.300 para 7.000. O fato é que, lendo apenas aquilo que me interessa de verdade, coisa que recomendo a todos, e tendo uma disciplina razoável, hoje, sento-me um lugar muito confortável e coloco celular e iPad a 5 metros de distância para que a dispersão não vença a meta e leio. O livro que leio, por exemplo esse aí de 42 páginas por dia, começou, de fato na página 7, pois um livro nunca começa na página 1. Então, eu mantenho 2 marcadores, o primeiro para a página que estou lendo e o segundo para a página até onde devo ler naquele dia. Quando encontro uma pagina em branco, por passagem de capítulo ou por ter uma figura que ocupe a página inteira, eu coloco o segundo marcador uma página adiante a que ele estiver. Claro que todo livro deve ser lido conforme sua abordagem, tema e necessidade (quem ainda não leu, seria bom que lesse o livro de Mortimer Adler, Como Ler Livros), assim, dividi os livros em história/ficção e filosofia. Aos livros de filosofia, usarei como divisor 3.150 (no lugar dos 6.300 dos livros “mais fáceis”), assim terei mais tempo para os exercícios imaginativos de dramatização que esses livros obrigam o leitor a fazer, pois é assim que se deve ler filosofia, a teoria do filósofo tem que fazer sentido no mundo real e nessa, a imaginação deve fazer esse trabalho. Não basta ler um filósofo, há que dar uma surra de realidade na sua teoria para ver se ela passa, por isto, gastamos mais tempo lendo filosofia do que lendo história. Com isso, dedicando pouco mais de duas horas por dia para a leitura, na segunda-feira, 03/02 comecei a ler meu sétimo livro do ano. Assim, já posso até me dar ao luxo de fazer algumas extravagâncias com leitor. O livro que comecei na segunda-feira foi o No Caminho de Swann do Proust, que faz parte de uma obra grande chamada Em Busca do Tempo Perdido que são 7 livros. As pessoas têm medo dessa obra e raramente a enfrentam do começo ao fim. Acho que é falta de disciplina, pois o livro não é difícil, na verdade, é a coisa mais bem escrita que já vi na vida. De encher os olhos mesmo. Pois bem, resolvi ler cada um dos volumes do começo dos meses pares. Já estou até repensando e talvez leia cada um dos volumes a cada 3 ou 4 outros livros que ler. É que é bom demais, só vendo. Outra extravagância, é que vou ler também a cada dois meses um livro que esteja dentre os mais vendidos, coisa que eu jamais pretendi na vida. Fujo da moda. Pois, pensava, como vou ler um best-seller antes de ler Tolstoi? É errado. Mas, agora, eu posso.
Mesmo que você não goste muito, leia assim mesmo. Ler é como ir à academia. Mesmo que não goste, é bom para saúde e você acaba se acostumando. Além disso, lendo, você acaba conhecendo pessoas lindas por dentro, com a alma bem definida. É claro que alguns ficam marombados demais e acabam ficando chatos, como os rapazes que de tão bombados ficam com traços de nanismo, mas geralmente os que frequentam a academia de Platão é gente agradável e bem humorada.
Todo autor tem uma música em sua escrita. É o seu estilo. Eu costumo ficar com aquela “música” tocando no meu ouvido enquanto leio um livro. Por isto, para mim, é difícil ler livro ruim, pois não suporto música ruim (o que é música ruim? É aquela que EU acho ruim, logo cada um tem a sua, não é algo objetivo não). Proust tem uma música linda no nível do melhor barroco já feito. Proust é Bach. E vou ficar com essa sua música no ouvido por algum tempo, sem saber como fazer para não imitá-lo. Eu não posso conviver com um gago que logo fico gago também. Espero que Proust me contamine. Quando estava lendo o livro Violeiros de Leonardo Mota, já estava pensando em decassílabo. Mas, já escrevi demais. Era isso!

4 Respostas para “LEITURAS

  1. Fantástico!!!Você é um gênio.

  2. Amei o texto, vou facebookear 😉

  3. Não conhecia o seu blog. Cheguei hoje pela primeira vez e gostei demais do seu estilo de escrita, inteligente e bem humorado.
    Parabéns!

  4. Agora ficou claro: dedicação, compromisso, método e fidelidade fizeram de vc um leitor dos clássicos. Quer dizer: não explica tudo. Os neurônios explicam o que falta, mas eu preciso me consolar pensando que me faltou disciplina.
    Agora, permita-me analisar mais um dado que vc nos ofereceu: “Então, isso me inspira a escrever mais e toda a minha frustração com o excesso de títulos no mundo não adiantou muito. A verdade é que eu não deveria escrever, o mundo não precisa de escritores, mas sinto que esta é a melhor coisa que sei fazer e todo mundo deveria ser obrigado a fazer a melhor coisa que sabe fazer, pois foi para isto que cada um foi feito.” Palmas pela sinceridade.
    Vc escreve admiravelmente. Pelo menos para esta pessoa. Para mim, um bom escritor é aquele que faz dos seus livros um encontro no sofá, e do leitor um velho amigo. Impressão que vc passa com perfeição, ao nos recepcionar com a sua intimidade.
    Por favor, não deixe esse blog morrer. Eu passarei por aqui esperando atualizações. Se bem que as que estão aqui, não ficarão velhas. Mas as novas te farão melhor do que vc já é. Sem falar que te elucidarão para vc mesmo.

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